Lixo Urbano

PERÍCIAS TÉCNICAS

BOLETIM TÉCNICO – 106

Os trabalhos de coleta e industrialização do lixo urbano, condicionam insalubridade sempre que encontrem amparo legal, definido segundo os parâmetros estipulados pela Portaria nº 3.214/78, Norma Regulamentadora 15, Anexo 14, dispositivo que rege a matéria para os riscos condicionados por Agentes Biológicos.

O conceito legal não estende a insalubridade a toda e qualquer atividade ou trabalho com qualquer tipo de lixo, irrestritamente.

Diz a Portaria nº 3.214/78, Norma Regulamentadora 15, Anexo 14 – Agentes Biológicos:

Relação das atividades que envolvem agentes biológicos, cuja insalubridade é caracterizada pela avaliação qualitativa:

Insalubridade de grau máximo

Trabalhos ou operações, em contato permanente, com:

  • Esgotos (galerias e tanques);
  • Lixo Urbano (coleta e industrialização).

A leitura atenta dos itens acima literalmente transcritos, demonstra de forma inequívoca que o condicionamento da atividade à insalubridade é restritiva.

A manipulação de lixo em sensu latu e os trabalhos gerais de limpeza não são condicionantes de insalubridade. Não constam nos itens da Lei.

O conceito não é ampliado de forma irrestrita a qualquer tipo de lixo.

Aplica-se a Lei apenas aos trabalhos exclusivos à “coleta e industrialização do lixo urbano”.

Há necessidade de que haja coleta ou industrialização de lixo, e que esse seja urbano.

Sem a concomitância dessas duas condições não há enquadramento legal e, por conseguinte, o trabalho não pode ser considerado como insalubre.

Dessa forma os trabalhos comuns de Serventes de Limpeza não podem ser enquadrados como insalubres.

Esse posicionamento legal é tecnicamente irrepreensível pelas razões a seguir apresentadas:

  • O lixo urbano é composto por uma série de elementos de natureza desconhecida, em estados de putrefação, deterioração ou contaminação dos mais variados e com uma origem totalmente indeterminada;
  • Seria infrutífera qualquer tentativa de busca de origens, em casos de possíveis contaminações;
  • Pode conter materiais cortantes ou punctórios, embutidos em sacos plásticos ou outros acondicionamentos, que oferecem uma condição complementar de risco favorecendo inoculações acidentais, o que é muito comum entre os “lixeiros”;
  • A característica mais crítica é o desconhecimento do potencial infectante dos materiais manipulados nesse tipo de lixo;
  • Seria impraticável citar todos os elementos possíveis de estar presentes nessa classe de lixo;
  • O trabalho de coleta do lixo urbano não permite a possibilidade de que seja feita qualquer tipo de higienização compatível com o risco que a função inerentemente apresenta;
  • Não há termos de comparação entre os trabalhos comuns de uma Servente de Limpeza e os de um “Lixeiro” que corre continuamente atrás de um caminhão, então altamente contaminado, tanto em suas superfícies, como quanto em relação à atmosfera que o circunda.

CONSIDERAÇÕES MÉDICAS

O denominado Volume-Minuto corresponde ao produto do volume de cada respiração, pelo número de movimentos respiratórios realizados em um minuto, ou seja:

Volume-Minuto = Volume Respiratório x Número de Respirações (em 1 minuto).

É verificada pela simples observação da fórmula, que o Volume-Minuto pode ser aumentado seja pelo aumento do volume de cada respiração, bem como pela elevação da frequência respiratória, ou pela composição destes dois fatores.

Nos trabalhos que não demandam maiores esforços físicos o Volume-Minuto permanece inalterado ou com um aumento pouco significativo.

Nos trabalhos pesados o Volume-Minuto aumenta para suprir o organismo das necessidades de trocas gasosas a nível pulmonar, para dar atendimento ao consumo aumentado de oxigênio, nessas condições laborais.

Quando o Volume-Minuto aumenta, o organismo num mesmo espaço de tempo faz penetrar na árvore respiratória quantidade ou volume muito maior de ar atmosférico. Isso implica no paralelo aumento da possibilidade de aspiração de micro-organismos em suspensão no ar.

O fato de caminhões que coletam o lixo estarem em contínuo deslocamento, proporciona a formação, na sua parte posterior, de um turbilhonamento do ar. Essa agitação da massa de ar desloca uma grande quantidade de micro-organismos de todas as naturezas, procedentes de todas as classes de lixos colocados no caminhão, líquidos contaminados, paredes e compactadores e demais superfícies.

O “lixeiro” que trabalha nessa área é obrigado a respirar permanentemente essa atmosfera.

Pelo trabalho pesado que executa, apanhando, carregando vários sacos, jogando para dentro do caminhão e correndo atrás dessa, tem um Volume-Minuto muito aumentado.

As probabilidades de aspirar ar contaminado, por todas essas razões, promove, além dos contatos manuais obrigatórios com as superfícies do corpo ou de suas vestimentas, um indiscutível aumento dos riscos próprios da atividade.

A impossibilidade de higienização das mãos ou outros segmentos possivelmente atingidos para os recolhedores de lixo é outro fator que amplia os riscos e que está descartado para quem realiza trabalhos comuns de limpeza onde a água é elemento de uso permanente.

O fato de ser o trabalho realizado ao ar livre, sujeito a todas as variações climáticas, implica em permanente readaptação orgânica na busca da homeostasia, com consequente comprometimento das defesas orgânicas.

A todos esses fatores não estão submetidas as Serventes de Limpeza ou pessoas que executam trabalho similares, inclusive na limpeza de sanitários.

De fato, os trabalhos comuns de limpeza não implicam em riscos significativos, mesmo que nas higienizações de peças sanitárias, tais como vasos, mictórios, pias ou outros similares.

São atividades desenvolvidas em todas as residências sem a adoção de medidas protetivas especiais, em geral, realizadas até mesmo sem o uso de luvas.

É por todos esses motivos que a legislação não atribui qualquer grau de insalubridade para essa atividade.

Ao contrário, reconhece a preocupante situação da coleta do lixo urbano, restritiva e especificamente.

Não refere em qualquer tópico os termos “coleta de lixo” ou “limpeza de sanitários” ou ainda “trabalhos de limpeza”, por não encontrar amparo técnico consistente.

São observadas, não raras vezes, inadequadas generalizações com enquadramentos tecnicamente equivocados e impróprios, quando comparados vasos sanitários a galerias ou tanques de esgoto.

Não podem ainda as peças sanitárias (vasos e mictórios, especialmente) serem comparadas às galerias ou tanques de esgoto, ou mesmo serem tidas como o início dessas, sendo estruturas bem definidas e absolutamente diferentes em todos os seus aspectos.

Os vasos sanitários ou mictórios não são o início das galerias ou tanques de esgoto como algumas vezes é afirmado, mas sim estruturas definidas e completamente diferentes em todos os sentidos, principalmente os laborais.

As galerias e os tanques de esgoto são estações subterrâneas com grande quantidade de dejetos em estados de deterioração dos mais variados, com intensa formação de névoas e gases, com cheiro forte e característico, com as superfícies e atmosfera totalmente contaminadas, no geral repletas de insetos variados e com alta contaminação microbacteriana.

Qualquer atividade nesses locais condiciona uma típica e inquestionável situação de insalubridade em seu máximo grau, da mesma forma que as atividades de coleta de lixo urbano.

São situações previstas em Lei.

Considerar como insalutíferas as atividades comuns de limpeza, mesmo que inclua a de sanitários com os respectivos recolhimentos dos lixos, é considerada como uma extensão equivocada dos dispositivos legais, extrapolando as atribuições do Perito para qualquer tipo de interpretação, pois sem base técnica consistente ou amparo legal específico.

Não há na literatura médica nada que demonstre de forma inequívoca que os trabalhos de Servente de Limpeza promovam mais doenças, tendo comprovadas relações causais com os Agentes Biológicos, do que qualquer pessoa em qualquer outra atividade.

Diz a Revista LTr, volume 64, de novembro de 2000, Jurisprudência, Tribunal Regional do Trabalho, Comissão de Jurisprudência, Orientação Jurisprudencial da SDI-1. Nº 170, Adicional de Insalubridade. Lixo Urbano (inserido em 8/11/2000).

A limpeza em residências e escritórios e a respectiva coleta de lixo não podem ser consideradas atividades insalubres, ainda que constatadas por laudo pericial, porque não se encontram dentre as classificadas como lixo urbano, na Portaria do Ministério do Trabalho.

O uso dos EPIs, no caso as luvas impermeáveis (látex, nitrílica, pvc), oferecem para quaisquer trabalhos sob riscos de Agentes Biológicos, proteções relativas. Seu uso evidentemente não deve ser descartado, recomendando-se o emprego, somente sob treinamento prévio, pois podem inclusive abrigar micro-organismos nas suas superfícies externas e quando manipuladas sem orientação técnica específica, em especial para calçá-las e retirá-las das mãos, viabilizando riscos de contaminações, por hospedar esses elementos, funcionando como vetores de transmissão. Há técnica específica para calçar e retirar as luvas.

Para a análise dos casos acima referidos o emprego desses Equipamentos  de Proteção Individual – EPIs, se pode ser desconsiderado, sem prejuízos significativos à análise.

Por todas as razões acima expostas entende-se que as atividades convencionais de Servente de Limpeza, não são consideradas como insalubres.