Argamassa e Cimento

PERÍCIAS TÉCNICAS

BOLETIM TÉCNICO – 105

A atividade com Argamassa e Cimento expõe frequentemente o trabalhador ao contato, principalmente dos membros superiores, afora as demais porções do tegumento, aos componentes químicos da mistura tão largamente empregada nas obras de construção civil. A calda comumente entra em contato com as mãos, antebraços e, inclusive, acidentalmente, cai no cano das botas ou no interno dos calçados e contata com outros segmentos do corpo, impregnando as vestes, o que prolonga a ação química indesejável dos compostos.

CIMENTO

O cimento preparado, úmido, tem pH entre 12 e 13, tornando-o um agente alcalino cáustico por sua ação sobre a pele, capaz de produzir queimaduras no tegumento, com ulcerações, fissuras, ressecamento, redução da elasticidade e formação de hiperceratose, principalmente nas pontos dos dedos e superfícies palmares, não raras vezes levando ao sangramento. As lesões mais graves são aquelas em que o tegumento atingido faz pressão sobre a calda, como acontece quando a massa cai por entre as botas e se aloja sob a região plantar.

Os Álcalis Cáusticos também originam severos danos aos olhos, em casos de exposição acidental, mais que os ácidos, pois produzem efeitos imediatos.

A condição acima referida, em critério qualitativo, independe da concentração e da superfície de contato.

Sob o enfoque legal, enquadra-se na Portaria nº 3.214/78, Norma Regulamentadora 15, Anexo 13, Operações Diversas: Insalubridade de Grau Médio.

O Cimento ainda produz dermatoses por sensibilização alérgica, ou irritação primária, que ocorre a níveis que dependem da sensibilidade individual.

Surge um prurido e uma reação exantemática que leva a lesões assemelhadas às da Escabiose.

Um dos agentes sensibilizadores é o Bicromato de Potássio, contaminante do Cimento e proveniente do calcário dos tijolos refratários, que recobrem o interior dos fornos e das bolas de aço-cromo e cromoníquel que trituram a matéria em fase de industrialização, transformando-a em fino pó. O desgaste das paredes e das bolas inclui no Cimento um contaminante, que não faz parte da formulação precípua e final do produto.

A Portaria nº 3.214/78, Norma Regulamentadora 15, Anexo 13, Cromo, estabelece Insalubridade de Grau Médio à manipulação de Cromatos e Bicromatos, não condicionando a intensidade, a concentração ou o tempo de exposição ao composto, em um critério de avaliação meramente qualitativo,

CONSIDERAÇÕES GERAIS

O Cimento é um composto de propriedade coalescente e por isso é utilizado rotineiramente pela indústria da construção civil e nas obras públicas em geral, para unir entre si, materiais duros.

Seu consumo tem cunho social digno de registro, eis que cresce na ordem diretamente proporcional à explosão demográfica. Apresenta-se sob a forma de pó muito fino de cor cinzenta tendente a verde. Existem cimentos artificiais e naturais – esses se encontram na natureza com composição similar à do cimento, isto é, calcário e argila, bastando apenas submetê-los à cocção em elevada temperatura e moê-los para obter-se o pó, ou seja, o Cimento como produto comercial.

O calcário ou pedra de cal é rocha sedimentária constituída de carbonato de cálcio – CaCO2. A argila é matéria plástica resultante da desintegração de rochas terrosas, contendo sílica, alumina (óxido de alumínio), óxido de ferro e é encontrada em todas as regiões do mundo e tem propriedades higroscópicas que transmite ao Cimento.

Os artificiais são fabricados a partir da junção mecânica da argila ao calcário, encontrados em extensa gama de variedades. Uma delas, e por sinal a que desfruta de grande vantagem sobre as demais na produção mundial, é a do Cimento Portland, que por ter sua coloração similitude com a do cimento natural, originário da cidade inglesa de Portland, foi contemplado com idêntica denominação.

PRODUÇÃO DE CIMENTO

O calcário, extraído e britado na pedreira, o que lhe reduz as dimensões, é encaminhado à fábrica, onde após nova britagem é recolhido em depósito. Por sua vez, a argila extraída de sua jazida ou mina é transportada para a indústria onde se opera desde logo a sua secagem. Finalmente, o calcário e a argila são misturados em moinho e, posteriormente, em silos para que se complete a homogeneização da mistura e redução a pó.

O material, já nos exatos termos da composição química preceita, em mistura homogênea e crua, é dirigido a fornos, sejam verticais, inclinados ou rotativos, na temperatura de 1.450°C. Esses, chamados fornos de climatização, têm suas paredes internas providas de tijolos refratários, que contém Cromo e sofre, pelo atrito, desgastes, assim o Cromo desprende-se e passa a fazer parte do Cimento.

Desses fornos, após terminada a operação de cocção (ou calcinação), o material sai sob a forma de grânulos pequenos, ou pequenas esferas que constitui o clínquer. O ato imediato é o resfriamento do clínquer, visando a estabilidade do silicato tricálcico, que não sendo resfriado em tempo hábil, se desdobrará em silicato dicálcico e óxido de cálcio, com prejuízos das características do Cimento. O clínquer, ao sair do resfriador ao qual está justaposta uma balança, é pesado e transportado mecanicamente para o depósito.

O gesso – Sulfato de Cálcio (CaSO4) – ingressa no processo sob a forma de blocos, sendo reduzido à dimensão de grânulos e é transportado para o moinho de bolas de aço-cromo. O clínquer é removido do depósito para esse mesmo moinho e ambos os produtos são triturados, na proporção de 3% de gesso e reduzidos a pó. Conclui-se assim, o processo industrial de fabricação do Cimento.

Fica armazenado em silo durante quatro dias para o efeito de acomodação de seus elementos constitutivos. Ensacado, ou a granel, é distribuído ao mercado consumidor.

UTILIZAÇÃO DO CIMENTO NA CONSTRUÇÃO CIVIL E NAS OBRAS PÚBLICAS

Na construção adiciona-se água à mistura de Cimento e areia para obter a coalescência ou pega, ou seja, a transformação do todo em massa que gradativamente endurece até adquirir a consistência pétrea.

A modalidade do Cimento armado ou concreto armado consiste em despejar concreto em torno de um arcabouço de ferro disposto em grade ou tela, constituído de elementos entrecruzados ou entrelaçados contidos em armação de madeira ou forma, com a finalidade de construir pilares, vigas ou lajes de concreto armado, que são os sustentáculos das edificações, em geral.

COMPONENTES ADVENTÍCIOS DO CIMENTO

Trata-se de corpos estranhos à composição normal do Cimento, cuja presença no seu conteúdo, embora não lhe altere a ação específica, para o conglomerado geologicamente falando, altera biologicamente a higidez dos que o manipulam. Constituem-se esses corpos adventícios em poluentes do cimento, oriundos que são dos implementos da industrialização e, portanto, também são designados de contaminantes do cimento.

O principal é o Bicromato de Potássio – K2Cr2O2, que é procedente das bolas de açocromo do moinho onde o clínquer é triturado, e também dos tijolos refratários que revestem os fornos de clinquerização, pois se empregam óxido de cromo, sozinho, como refratário, ou vantajosamente inclusos nas composições refratarias, como as misturas refratarias de magnesita e magnesita-cromite.

O laboratório americano, Occupational Health Field Hardquarters, analisou várias amostras de Cimento produzido e vendido nos Estados Unidos que revelaram conteúdo de cromo hexavalente sob a forma de Bicromatos de Potássio na percentagem de 0,000008 a 0,02%. Denton e outros demonstraram que havia quantidade de cromo hexavalente no cimento Portland e que um paciente com forte hipersensibilização ao Bicromato de Potássio reage a menos que 0,0001% de Bicromato.

NOCIVIDADE SOBRE O TEGUMENTO CUTÂNEO

A pele é protegida por um manto graxo e ácido. A acidez do suor normal é devida ao seu conteúdo de Fosfato de Sódio e Fosfato de Potássio. Essa acidez, contudo, nas áreas em que ocorrem contatos com o Cimento, desaparece rapidamente para dar lugar a uma reação alcalina resultante da fermentação amoniacal das substâncias orgânicas azotadas, particularmente da ureia, componentes do suor.

Assim, a maior parte dos autores atribui a acidez fisiológica do suor aos ácidos graxos de origem sebácea.

Por outro lado, o Cimento, mecanicamente, obtura os poros dos folículos sebáceos, tanto que faz parte do quadro dermatológico a alteração das glândulas sebáceas, produzindo foliculites, precisamente por esse motivo. Ocorre ainda, como ação do Cimento, uma agravante que diz respeito à agressão à pele, pela sua alta alcalinidade, cujo pH é de 12,5.

Há ainda a ação alergênica do Cimento, desenvolvida principalmente pelo Bicromato de Potássio e também pelo Sulfato de Níquel e Cloreto de Cobalto, produtos químicos que em nada contribuem para a estrutura útil do Cimento, mas se constituem em componentes adventícios, concorrendo apenas em atividade parasitária danosa ao homem.

Assim a atuação do Cimento na pele é exercida em caráter mecânico, traumático, químico e alergênico.

Trata-se de um composto do ponto de vista médico, irritante primário relativo, ou seja, que lesa a pele e as mucosas de forma crônica, ou irritante primário absoluto, que lesa agudamente os mesmos tecidos.

As regiões lesadas são as que ficam expostas ao Cimento molhado, como as mãos, os pés, as superfícies de flexão dos antebraços e outras em que são menos comuns os contatos. As vestes molhadas com o Cimento, atritadas à pele, potencializam os danos e dão origem a dermatites de contato.

Os trabalhadores na construção ainda são acometidos pela Dermatite de Contato Alérgica, que eclode como Eczema Vesiculoso, por vezes desidrótico e que ocorre nos trabalhadores que estão sensibilizados.

ENQUADRAMENTO LEGAL

A Portaria nº 3.214/78, Norma Regulamentadora 15, Anexo 13, Cromo, estabelece Insalubridade de Grau Médio à manipulação de cromatos e bicromatos, não condicionando à intensidade, concentração, tempo de exposição ou superfícies de contato, em um critério de avaliação apenas qualitativo.

Da mesma forma, esse dispositivo legal determina insalubridade também à fabricação e manuseio de Álcalis Cáusticos, no mesmo grau já referido.

CIMENTO EM PÓ

O transporte de Cimento ou Cal em sacas expõe invariavelmente o trabalhador à ação do fino pó desses compostos, pois, sistematicamente, existem porções do produto nas pregas, dobras, válvulas dos sacos e superfície dos invólucros de papel, independentemente de eventuais soluções de continuidade da saca com perdas efetivas de seu conteúdo, muito comum nos locais de deposição – carroçarias dos caminhões, depósitos e outros locais.

Durante o transporte nas áreas de trabalho, a abertura dos sacos para o emprego em uma betoneira ou caixa para mistura do composto, ocorre grande evolação de partículas, poluindo a área de trabalho e a atmosfera circundante, na dependência e até mesmo da aleatória movimentação da massa de ar. Por serem os pós muito finos evolam com facilidade, apresentando precipitações lentas. Há dessa forma uma contaminação da pele do trabalhador, na cabeça, no pescoço, no tronco e nos membros, além da penetração por vias respiratórias, o que permanece com plena ação durante todo o resto da jornada de trabalho, mesmo cessada tal atividade.

Os significativos contatos com o fino pó, a inalação de poeiras, além da obstrução mecânica produzida nas vias aéreas, produz irritação primária, desencadeia alergias ou as agrava, favorecendo a ocorrência de uma série de patologias, cuja descrição e estudo não são objetos específicos de análise mais aprofundada nos laudos técnicos.

Sobre a pele produzem a obstrução dos poros, mudança do pH com a sua elevação a níveis que o tornam alcalino, alergias, irritações primárias, fissuras e outros quadros agrupados genericamente como Dermatites.

Como consideração teórica, entendemos que muitas vezes é pequena a superfície corpórea exposta, especialmente quando o trabalhador veste-se com calças compridas, calçados e meias, camisas com mangas longas dotadas de golas e punhos ajustáveis, além de luvas impermeáveis.

Inicialmente, observamos que essas vestes não são usadas em caráter permanente, de um modo especial nos meses de temperatura mais elevada ou sob a ação dos raios solares, nos trabalhos na construção civil.

Igualmente, tais vestes não são impermeáveis, não apresentando obstáculos à penetração das poeiras minerais aqui consideradas.

O pó, pelas reduzidas dimensões das partículas atravessa as vestes e contata com a pele que fica impregnada, especialmente se houver sudorese, condição comum nos trabalhos braçais pesados.

Após cessado o transporte, o empregado não se higieniza através de banho, permanecendo o resto da jornada de trabalho sob a ação química e física dos agentes considerados, havendo dessa forma extensão da condição insalubre, além do tempo gasto exclusivamente na atividade de transporte das sacas, abertura ou despejo do conteúdo, mas ao restante da jornada de trabalho.

Quando essa sacas são “coqueadas” – carregadas sobre a cabeça – o que é muito comum nas obras de construção civil ou nos depósitos, todo esse quadro de potencializa. O uso de capacete torna-se, nesse tipo de transporte, inexequível e, mesmo quando suado, não apresenta proteção efetiva.

Quando o saco é largado sobre o solo, caminhão ou rompido para despejar o conteúdo nas caixas de preparação de massa ou betoneira, ocorre grande evolação das partículas que permanecem em suspensão no ar, especialmente quando são sacudidas para o esvaziamento total.

Gera na área a ação insalubre considerada, como acima já referimos.

O uso de luvas de raspa de couro ou de PVC efetivamente reduz os contatos mais intensos e diretos dos sacos impregnados com as mãos, mas não elide totalmente a ação, podendo promover a ocorrência de partículas enclausuradas entre as luvas e a pele, que atuam como se houvesse um “curativo oclusivo”, intensificando a ação insalubre do agente, atuando também após ter cessada a exposição e todas às vezes em que as luvas forem usadas, mesmo que em outros dias ou em outros trabalhos. As roupas não higienizadas diariamente, bem como os próprios EPIs, podem prolongar ainda mais a ação considerada, cronificando-a.

Afora o embasamento técnico apresentado, tal atividade enquadra-se legalmente no elenco arrolado na Portaria nº 3.214/78, Norma Regulamentadora 15, Anexo 13, Operações diversas, Insalubridade de Grau Mínimo, em fabricação e transporte de cal e cimento nas fases de grande exposição a poeiras, em critério de avaliação qualitativo.

A American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH – 2017) estabelece o seguinte Limite de Exposição Ocupacional (TWA):

CIMENTO PORTLAND (CAS: 65997-15-1)…………………………………1 mg/m³