Adicional de periculosidade para atividades com energia elétrica-Decreto Nº 93412/86

PERÍCIAS TÉCNICAS

BOLETIM TÉCNICO – 118

O trabalho com eletricidade exige procedimentos padronizados e treinamento específico e é bastante vulnerável à ocorrência de acidentes, inclusive fatais.

A legislação brasileira prevê, como matéria constitucional, devidamente regulamentada, o adicional de remuneração para as atividades classificadas como perigosas:

Constituição Federal  (05/10/1988)
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores:
XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.

As atividades penosas ainda não estão definidas por lei, porém as insalubres e perigosas estão, em sua maioria, descritas pela Lei nº 6514, de 22 de dezembro de 1977, que modificou o Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. No caso específica das atividades perigosas, diz o artigo 193 da CLT(Redação dada pela Lei nº 12740, de 8/12/2012):

“Art. 193: São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude da exposição permanente do trabalho a:

I – inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;

II – roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial

Lei nº 7.369, de 20 de setembro de 1985, instituiu a remuneração adicional para quem exerce atividade no setor de energia elétrica, em condições de periculosidade. No mesmo ano, em 26 de dezembro, ela foi regulamentada pelo Decreto nº 92.212. Entretanto, menos de um ano depois, a lei ganha nova regulamentação com a edição do Decreto 93.412, de 14 de outubro de 1986, que revoga o anterior.

A diferença fundamental entre esses dois instrumentos regulamentadores está em duas questões: a proporcionalidade e a exigência de perícia.

O Decreto 93.412/86 introduziu o pagamento proporcional ao tempo de exposição, isto é, a remuneração adicional de 30% estabelecida na Lei seria aplicada, quando ficasse caracterizada uma exposição intermitente, sobre o tempo em que o trabalhador estivesse exercendo atividade em área de risco:

Art. 2º É exclusivamente suscetível de gerar direito à percepção da remuneração adicional que trata o artigo 1º da Lei nº 7.369, de 20 de setembro de 1985, o exercício das atividades constantes do Quadro anexo, desde que o empregado independentemente do cargo, categoria ou ramo da empresa:

I – permaneça habitualmente em área de risco, executando ou aguardando ordens, e em situação de exposição contínua, caso em que o pagamento do adicional incidirá sobre o salário da jornada de trabalho integral;

II – ingresse, de modo intermitente e habitual, em área de risco, caso em que o adicional incidirá sobre o salário do tempo despendido pelo empregado na execução de atividade em condições de periculosidade ou do tempo à disposição do empregador, na forma do inciso I deste artigo.

Ficaram então estabelecidos dois critérios para o pagamento do adicional. O primeiro é aquele destinado aos que permanecem habitualmente em área de risco, cuja incidência é sobre o salário integral, conforme estabelecido na Lei 7.369/85. O segundo é o que estabelece uma incidência proporcional a uma referida intermitência.

Este pagamento proporcional foi tão duramente criticado e rechaçado pelos próprios juízes que acabou surgindo o Enunciado nº 361, de 13 de agosto de 1998, do Tribunal Superior do Trabalho – TST:

Enunciado 361 – TST
Adicional de Periculosidade – Eletricitários – Exposição Intermitente

O trabalho exercido em condições perigosas, embora de forma intermitente, dá direito ao empregado a receber o adicional de periculosidade de forma integral, tendo em vista que a Lei 7.369/85 não estabeleceu qualquer proporcionalidade em relação ao seu pagamento.

Ora, os Enunciados esclarecem o entendimento da instância superior da Justiça do Trabalho ( o Tribunal Superior do Trabalho – TST) sobre determinada questão. Eles norteiam as instâncias inferiores e oferecem subsídios às partes interessadas; seu objetivo é a uniformidade de entendimento dos Tribunais Regionais em matérias reiteradamente julgadas.

A restrição ao pagamento da remuneração adicional ficou restrita à exposição eventual, que, segundo o referido Decreto exclui o direito à percepção do acréscimo indenizatório, conforme expresso no § 1º  do artigo 2º:

Art. 2º.
§ 1º O ingresso ou permanência eventual em área de risco não geram direito ao adicional de periculosidade.

A segunda diferença, estabelecida pelo Decreto 93412/86 em relação ao seu antecessor, diz respeito à exigência de perícia para a caracterização do risco, conforme expresso em seu artigo 4º.:

Art. 4º.
§ 1º A caracterização do risco ou da sua eliminação far-se-á através de perícia, observando o disposto no artigo 195 e parágrafos da Consolidação das Leis do Trabalho.

Revendo o artigo 195, caput, da CLT:

Art.195. A caracterização e classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através da perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho.

Ora, se dúvida pudesse existir, em virtude de o artigo 195 da CLT referir-se às normas do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE,  e não a outros instrumentos jurídicos, o Decreto 93412/86 em seu § 1º do artigo 4º, deixa incontroversa a exigência da perícia. Sendo assim, o quadro de atividades e áreas de risco, apresentado como anexo ao Decreto 93412/86, não é auto aplicável, sob o ponto de vista de enquadramento legal para concessão da remuneração adicional. É de se observar que, sendo matéria estritamente técnica, esta exigência legal (artigo 195, caput, da CLT), ratificada pelo texto do Decreto 93412/86 é prevista no Código de Processo Civil (Redação dada pela Lei nº 13105, de 16/03/2015), ao estabelecer em seu artigo 156:

Art. 156: O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico

Esclarecidas essas duas questões que levaram à edição de um segundo Decreto em espaço de tempo tão curto, resta-nos comentar uma outra questão: a abrangência do adicional no que se refere aos trabalhadores que efetivamente têm direito ao recebimento desta remuneração adicional. A Lei 7369/85 foi editada a partir de um projeto de lei cuja justificativa não nos deixa dúvidas quanto à intenção do legislador de atender a uma categoria profissional específica, a dos eletricitários, ou seja, aqueles que trabalham no setor de energia elétrica. A própria leitura do artigo 1º da lei 7369/85 deixa isso muito claro:

Art. 1º O empregado que exerce atividade no setor de energia elétrica, em condições de periculosidade, tem direito a uma remuneração adicional de trinta por cento sobre o salário que perceber.

Muito embora alguns intérpretes queiram nos levar a crer que a expressão “setor de energia elétrica” inclua os setores de manutenção e afins de estabelecimentos usuários de energia elétrica, parece-nos evidente que a lei se refere ao setor da economia, assim como nas expressões setor de telecomunicações, setor de serviços, setor de transportes etc.

Entretanto, mesmo com esta redação, confirmada pelo Decreto 93412/86, que utilizou o conceito de “sistemas elétricos de potência”, não foi essa a compreensão do meio jurídico em sua grande maioria. Consolidou-se, ao longo desses anos, extensa jurisprudência a favor da maior abrangência na aplicação da lei e do decreto. Chamando a isso de “dinâmica da Lei” a favor do que se chama “Direito Social”, muitos juízes têm considerado que a existência comprovada dos riscos elétricos em diferentes níveis de tensão e em diferentes atividades dá aos que estão expostos a esses riscos o mesmo direito, sejam eles integrantes ou não da categoria profissional dos eletricitários. Fica a polêmica e a dúvida se esta situação ficará dependendo de maiores esclarecimentos sob o ponto de vista jurídico, ou se continuará dependendo dos  pareceres tão divergentes dos juízes. Buscando esclarecer um pouco a questão, a Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, editou uma Orientação Jurisprudencial no final de 2003, com o seguinte teor:

Orientação Jurisprudencial nº 324
Publicada no DJ em 09.12.2003

É assegurado o adicional de periculosidade apenas aos empregados que trabalham em sistema elétrico de potência em condições de risco, ou que o façam com equipamentos e instalações elétricas similares, que ofereçam risco equivalente, ainda que em unidade consumidora de energia elétrica.

Ao perito, fica a responsabilidade de levantar o real  enquadramento do trabalhador nas atividades e áreas de risco incluídas no quadro anexo ao Decreto 93.412/86, confirmando se a exposição ocorre efetivamente em condições de periculosidade, conforme definido no artigo 2º, § 2º do referido Decreto:

Art. 2º
§ 2º São equipamentos ou instalações elétricas em situação de risco aquelas de cujo contato físico ou exposição aos efeitos da eletricidade possam resultar incapacitação, invalidez permanente ou morte.

Mantendo a característica de outras situações de periculosidade, o Decreto 93.412/86 apresenta um quadro em que as atividades estão acompanhadas de suas respectivas  áreas de risco. A análise cuidadosa desse quadro, nos permite resumir as atividades da seguinte forma:

  1. a) Atividades de construção, operação e manutenção de redes de linhas aéreas e subterrâneas, usinas, subestações, cabinas de distribuição e áreas afins;
  2. b) Atividades de inspeção, testes, ensaios, calibração, medição, reparo e treinamento em equipamentos e instalações elétricas.

Duas observações importantíssimas, complementam este resumo:

Obs.1. os equipamentos e instalações referidos podem ser de alta ou baixa tensão mas devem ser integrantes de sistemas elétricos de potência;
Obs.2. os equipamentos e instalações referidos podem estar energizados ou desenergizados, mas com possibilidade de energização acidental ou por falha operacional.

Esta análise permite que o Quadro de Atividades/Área de Risco fique mais nítido e que os detalhamentos ali apresentados nos sirvam de ajuda, sem tirar o foco das atividades principais.

Quanto à expressão “sistemas elétricos de potência”, utilizada no Decreto 93.412/86, ela encontra sua melhor definição na Norma Técnica da ABNT que tem por título esta mesma expressão: NBR 5460/1992 Sistemas Elétricos de Potência – Terminologia.

Desta Norma, transcrevemos, na íntegra o item que trata da definição da expressão, acompanhado da nota que é parte integrante do texto:

3.613 Sistema Elétrico ( de potência )

3.613.1 Em sentido amplo, é o conjunto de todas as instalações e equipamentos destinados à geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.

3.613.2 Em sentido restrito, é um conjunto definido de linhas e subestações que assegura a transmissão e/ou a distribuição de energia elétrica, cujos limites são definidos por meio de critérios apropriados, tais como, localização geográfica, concessionário, tensão, etc..

Nota: Por exemplo, sistema de geração, sistema de transmissão, sistema de distribuição. Podem ser ainda considerados sistemas menores, desde que perfeitamente caracterizados, tais como, sistema de geração hidrelétrica, sistema de transmissão em x kV, sistema de distribuição da cidade X, etc..

A análise dos termos da Norma, tanto no sentido amplo quanto no restrito, deixam claro que a expressão “sistemas elétricos de potência”, apresentada no Decreto 93.412/86, está de acordo com o que preconiza a  Lei 7.369/85, que utiliza o termo “setor de energia elétrica”. Sendo assim, fica evidente o direcionamento da aplicação da remuneração adicional por periculosidade, para os trabalhadores que operam em um setor da economia que tem o manejo da eletricidade como uma atividade fim e, por conta disso, exclui os trabalhadores dos demais setores para os quais a energia elétrica é um insumo. É bem verdade que esta exclusão não é total, uma vez que podemos ter algumas situações específicas, nas quais outros setores da economia, na busca de uma auto suficiência energética possam incluir esse manejo como uma de suas atividades, ao construir usinas, linhas e subestações. Nesses casos o enquadramento far-se-á por analogia. Da mesma forma, há empresas cujo tamanho requer um sistema próprio de distribuição de energia elétrica, e aí podemos expandir a idéia expressa na Nota da NBR 5460/1992 e dizer que é o sistema de distribuição da empresa Y.